Gean Fermino, o Tigrão, abriu mão da carreira profissional para poder salvar a vida da irmã
Um atleta nato – com uma carreira que projetava o acesso ao topo da modalidade – mudou tudo por um gesto de amor. Gean Fermino, o Tigrão, teve o difícil dilema apresentado em sua vida no momento em que iria começar a colher os melhores frutos de sua trajetória como jogador de Handebol.
Ele teve a vida impactada quando descobriu ser o doador de rim mais compatível para sua irmã mais velha, que precisava de um transplante.
Em ano de Jogos Olímpicos, como foi este de 2024, Gean volta aos seus primeiros passos no esporte para dividir com os leitores da Revista Única uma história forte e muito bonita que envolve muita coragem e sabedoria.
“Iniciei minha carreira esportiva ainda muito novo, em Imbituba. A Comissão Municipal de Esportes (CME) era forte e meu pai também era muito envolvido com a área. Iniciou aos 11 anos com o futsal, basquete, voleibol, handebol, atletismo (arremesso de dardo, salto em distância e corrida), e também jogava bastante futebol de campo, além de ter começado a surfar.
Com o passar do tempo, ele se destacou no cenário esportivo de Imbituba. “Na oitava série, eu fui escolhido para conduzir a tocha olímpica”, relembra, e já tinha conquistado várias medalhas em atletismo, handebol e futsal. Mas, com 12 anos, Gean começou a focar um pouco mais no handebol.
Nas escolinhas, representando o município de Imbituba, ele participou dos Joguinhos Abertos. Gean considera uma das passagens mais legais a participação nos Joguinhos Abertos em Tubarão, em 1991.
“Nós ficamos em quarto lugar no handebol, perdemos a medalha, mas o melhor jogo que tivemos nessa edição foi justamente o jogo contra o Tubarão. Eu tenho vários amigos que jogavam no time da Cidade Azul nesta época. Posso citar o Luis, goleiro (Xingu), Fábio Holtausen, Glauco (Fefe), Joares May e o Paulinho, que era o técnico”, lembra.
Gean destaca que a equipe de Tubarão era bem avançada, tinha o ginásio Salgadão para treinar e jogar e era desafiador vencer a equipe.
“Depois fui estudar na Escola Técnica de Florianópolis, e numa das competições, uma olimpíada de Florianópolis, fui escolhido o melhor atleta da capital. A partir disso fui convocado para jogar pelas seleções de Florianópolis – Colégio Catarinense, Clube AD Colegial, que são tradicionais na cidade.
Como o colégio tinha uma estrutura mais robusta, financiava os times para que pudessem participar de competições estaduais e nacionais. Com o convite para integrar o time do Colégio Catarinense, Gean passou a ter maior visibilidade no cenário estadual e nacional.
Isso ocorreu entre 1991 e 1995. E na sequência, quando havia completado 17 anos, foi chamado para jogar também na seleção adulta de Florianópolis
Com essas boas oportunidades, Gean se manteve em evidência nas categorias juvenil, júnior, e depois adulto, pelo Catarinense, no campeonato de clubes, e por Florianópolis jogando competições nacionais.
“Então recebi a convocação para a seleção brasileira para disputar o campeonato mundial na Grécia em 1993”, pontua. Mas o atleta acabou sendo cortado e esse sonho ficou guardado para dois anos depois.
“Em 1995, fui convocado para campeonato mundial na Argentina, com participação de 16 seleções. Destas, várias importantes, como Alemanha, Portugal, Eslovênia, França e Rússia, estavam presentes e considero que foi o auge da minha participação neste cenário”, avalia.
A descoberta
Mas, no ano de 1994, a minha irmã mais velha descobriu uma doença progressiva, e com isso ela perdeu os dois rins. “Na época, não tínhamos muita informação e começamos a buscar soluções, dentre elas, a lista pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim fomos direcionados para a Santa Casa, em Porto Alegre, que era um centro especializado em transplantes de rins”, explica.
Gean esclarece que foi quando sua família recebeu a informação que eles poderiam ser os doadores. “Eu e minha irmã do meio fizemos todos os exames. Fui posicionado como o melhor doador entre as opções, por especificidades técnicas e científicas”, ressalta Gean.
A certeza
Com essa situação de a família ter que tomar a decisão ou se propor a enfrentar uma fila de espera pelo SUS, automaticamente cada membro começou a refletir.
“Um dia eu acordei e senti como se estivesse recebendo a certeza de que deveria tomar a decisão de realizar a doação. Ainda mais com meus exames indicando que eu era o familiar com as melhores condições, levando em conta as compatibilidades genéticas e celulares. Foi quando tomei a decisão de ser o doador. E isso causou uma agitação muito grande”, detalha Gean.
Primeiro em relação aos pais pois era uma situação muito difícil, por eu ser o filho caçula, único homem, e também para as pessoas próximas à família, que sabiam que Gean estava em ascensão e iria disputar o mundial de handebol, com grandes chances de continuar no circuito internacional e depois ir para os Jogos Olímpicos.
“Conversei bastante com minha família, com meus técnicos e amigos, para enfrentar esse período que foi um pouco turbulento por gerar esse impacto entre a vida e a morte, porém segui com essa decisão. Meus pais, minhas irmãs e meu cunhado mais velho foram pessoas extremamente importantes nessa decisão”, relata o ex-atleta.
O pacto
Essa escolha também gerou um certo impacto para sua irmã, que ficou preocupada por se tratar do irmão caçula, com apenas 20 anos.
“A coisas foram se acalmando após o primeiro choque e eu e minha irmã fizemos um pacto. Ela estava fazendo hemodiálise, e nosso acordo foi que suportasse durante seis meses para que eu pudesse disputar o mundial e ter essa satisfação. E assim foi, ela aguardou esse período e depois seguimos para encarar a cirurgia”, salienta. “Eu não conseguiria seguir a minha vida como atleta sem ter tentado, sem ter doado meu rim e salvar minha irmã”, assegura Gean.
Após meses de exames, em 05 de dezembro de 1995, o transplante foi realizado com grande sucesso.
“A minha irmã tinha 28 anos à época, e isso foi muito impactante porque ela era muito jovem. Ao mesmo tanto impactou a interrupção da minha trajetória de atleta”, relata Gean.
Gean conta que estava selecionado para a seleção brasileira júnior. “Meus concorrentes eram conhecidos e tecnicamente seria possível superá-los. Seríamos os sucessores e disputaríamos vaga para disputar os Jogos Olímpicos nos Estados Unidos (1992) e Atlanta (1996). Também estava dentro do calendário disputar o mundial adulto em Kumamoto, no Japão, em 1997”, revela.
Tocha olímpica
Em dezembro de 2023, 28 anos se passaram desde a cirurgia. Gean sempre teve vontade de ir aos Jogos Olímpicos enquanto observador, desde 1995. Mas foi postergando as oportunidades até 2007, quando o desejo ficou ainda mais latente nos Jogos Pan-Americanos.
Depois de acompanhar os jogos para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, o sonho se intensificou. “Minha esposa, Fernanda, sabia disso e fez uma campanha sem que eu soubesse. Ela envolveu amigos – inclusive um que jogou e vive na Alemanha. Foi feito uma corrente muito grande para que fosse relatada essa história e, desta forma, eu fui um dos escolhidos para carregar a tocha olímpica. Eram 12,6 mil pessoas concorrentes e fui um dos escolhidos”, comemora.
Presente
O ex-atleta foi presenteado com a tocha olímpica. Ele ganhou do seu patrocinador. “Que esse movimento olímpico e sagrado seja perpetuado para novas gerações. Por isso, trouxe a tocha para o meu local de trabalho, que é mais público, e pudesse receber visitas, como foi a do presidente da Câmara de Vereadores de Tubarão, vereador Gelson Bento e sua equipe.
Reconhecimento
Gean confessa que o fato acabou gerando uma certa curiosidade, despertando o interesse de Gelson Bento em conhecê-lo e conceder uma moção de agradecimento.
“Isso marca a minha vida e a região, pois mesmo sendo de Imbituba, a minha vida passou e passa por Tubarão. Sou formado em Administração de empresas, Especialista em Engenharia de produção, Mestre em Avaliação de Desempenho, resido e trabalho em Tubarão, na Fundação InoversaSul, onde sou vice-presidente e diretor de negócios, ciência, tecnologia e inovação. Finalizo estendendo sinceros agradecimentos ao vereador Gelson Bento e demais vereadores. Obrigado Tubarão"!
* Matéria publicada na edição de Outubro/Novembro de 2024 - Texto: Joyce Santos - Edição: Fabiano Bordignon - Revisão: Ronaldo Amorim Sant'Anna.